domingo, 7 de fevereiro de 2010

De James Joyce a Você

Metas mais elevadas... Teus poemas estão muito oferecidos, óbvios em demasia. Afastam-se da suprema noite do Mistério, onde se debatem as almas sem salvação nem defesa. Falta-lhes ousadia. Sobram sentimentos, carecem de técnica. Começos...
Para tudo há um tempo debaixo dos Céus.
(Eclesiastes)

Já que possuem os conhecimentos prévios e de mundo ou enciclopédicos (cf. KOCH, 2007, p. 32)(1), nenhum esforço resta aos leitores para a apreciação dos teus trabalhos, todos eles sem margens aos imprevisíveis achados que regem a criação literária. Tal apreciação, facilitada demais, não enleva, não emociona nem angustia como deveria.

Assevero que o teu pecado original foi “facilitar em demasia ao interlocutor o processamento dos textos e, portanto, a construção de um sentido alinhado com seu projeto de dizer” (KOCH, 2008, p. 99).(2)

Desse modo, não permites aos leitores que empreguem o seu potencial cognitivo: OUTORGAS os textos, não os fazes tesouros a serem adivinhados, anelados, sonhados, descobertos.

Exorto-te a ocultar as pistas (evidentíssimas) dos textos, refazendo-os pleno de implicitudes, de incompletudes, de terror, de desenganos...

Provoca os espíritos, criatura! Desafia inteligências e sensibilidades! Pisa nas palavras! Aí então o discurso -- moralizante, quase denotativo -- onde apontas, defines muito mais que sugeres, entremostras ou metamorfoseias, se elevará sobremaneira.

Porque arte é revelação, conotação, ilusão desilusória, indignação transfigurada. Ou transfiguração indignada. As palavras? Expulsa-as! Elas retornarão meigas, dulcíssimas, advinhando a grandeza e a autoridade de que queres revesti-las.

Atrevo-me a citar, aqui, James Joyce:
A Ciência envelhece porque é clara e explícita. A Arte é eterna porque conserva o sal indefinível do mistério. (3)

De preferência suprime a polifonia vocal (várias vozes) dos textos por uma apenas: a tua. Narra-te, e pronto. Ou eleje um foco narrativo: em primeira pessoa (impondo tua participação) ou terceira pessoa (apartando-te dos fatos). (Cf. Mussalim, 2004, p. 43-46 e 74)(4)

Segundo FIORIN (2008, p. 86)(5), a fim de persuadir, de convencer, “o enunciador procura criar efeitos de estranhamento com a finalidade de chamar a atenção do enunciatário para sua mensagem. Para isso, utiliza-se de recursos retóricos.”

E vou além: tu, poetisa, posto que bem jovem e inexperiente em amplitude literária, potencializas (utilizas) tais recursos, talvez inconscientemente, por puro instinto expressional, sem a menor idéia de que seu projeto de dizer se apropriou (de forma legítima porque universal) desses recursos, subjacentes em qualquer literatura.

De qualquer forma, tais recursos pertencem ao que Fiorin chama de “sintaxe discursiva”, vale dizer, o campo assemântico, o campo presencial, quase físico das palavras e expressões do nível (ou limite) gramatical do discurso.

Essa “sintaxe discursiva” se opõe dialeticamente, creio, à “semântica discursiva”, situada na região excelsa das significações abstratas, dos conceitos expressos pelos lexemas sim, porém além e acima deles --- num plano (ou espaço) só visível aos corações e mentes.

In fine, sugiro que dês a certos poemas uma nova estrutura, que os reconstruas, que os resgates do confuso caos onde eles, imperfeitos e portanto pouco compreendidos, habitam. Que os reescrevas enfim, revestindo-os de uma forma mais coesa, sintética e operacional.
Como?

Desalojando e realocando versos e estrofes que se contradizem, que se contrapõem desnecessariamente, ou que são abandonados aqui e retomados ali, em versos próximos, pois essa prática só dificulta a percepção estética, o prazer da leitura e o alcance intelectual, cognitivo, maioral.

Sugestão feita em nome da coerência textual e da beleza ímpar que imortaliza uma verdadeira obra-de-arte literária.




Referências bibliográficas:
(1) KOCH, Ingedore. O Texto e a Construção dos Sentidos. Ed. Contexto, SP, 2007.

(2) “O conhecimento enciclopédico ou conhecimento de mundo é aquele que se encontra armazenado na memória de cada indivíduo.” (KOCH, 2007, p. 32)

(3) Barsa, Enciclopédia. José Olympio Editora, RJ, 1980.
(4) MUSSALIM, Fernanda. Linguagem – Práticas de Leitura e Escrita (Vol. 1). SP, Global Editora, 2004.

(5) FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. Ed. Contexto, SP, 2008.

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