domingo, 7 de fevereiro de 2010

Marina Colasanti e sua Literatura Baile-nas-nuvens

As mil e uma Marinas
Ficcionista e ilustradora, sua obra se volta para o maravilhoso, o deslumbramento, a suprema irrealidade que caracterizam os contos de fadas.
Seus contos, escritos a partir da realidade, atravessam fronteiras abarrotadas de sonhos, de fantasia, alargando o espaço de um território abstrato; tal território, sem definição precisa, traz todavia a definição das várias belezas que compõem a Beleza.
Suas líricas narrativas, falando do lado oculto, místico da Vida, nos brindam com sonhadores de toda ordem, tornando-nos igualmente sonhadores.
São histórias cuja leitura criam sortilégios, propiciam a construção de uma linguagem do inconsciente.
O cânone literário, tão impenetrável para certas correntes críticas, se transforma em amor e morte, encontro e desencontro, angústia e plenitude, promessas em tenros presentes.
O horror, o ciúme, a felicidade, sentimentos tão comuns, tão íntimos da alma, se metamorfoseiam em seres solitários em busca da nossa compreensão e afeto.
É incrível como a presença nas histórias de um rei, um trono, escadas, salões, aposentos suntuosos e uma rainha cativante fazem-nos viajar no tempo, do passado longínquo ao complexo ambiente contemporâneo.
A idéia de solidão, de busca interminável, o medo dominado e vencido, tudo isto a criança absorve e catalisa, reconstruindo em sua linguagem peculiar as aventuras de jovens castelões, cavaleiros e heróis míticos.
Princesas, castelos, metamorfoses, feitiçarias: ingredientes mágicos de todo bom conto de fadas. Sem descartar, é claro, seres extraordinários, como dragões, ogros, sábios solitários e outros entes, produzindo assim um efeito encantatório e assustador.
A realização dessas fantasias na mente infantil, além da sensação de liberdade, conduz ainda a uma atitude crítica, de análise séria do mundo dos fatos.


Contemplando alaúdes suspensos
Na literatura de Marina, dona de uma linguagem sublime, a fantasia se estabelece, os animais raciocinam, o cotidiano se torna impressionante, o real se e nos desmonta. Sua forma tão espontânea de narrar, a vivacidade de seus personagens, tudo contribui para consolidar a formação da personalidade infantil.
A leitura coletiva (queremos dizer, do adulto para um grupo de jovens) aviva interesses, amadurece sentimentos e pensamentos, eleva-os com os pés no chão. Faz, enfim, que cresçam muito emocionalmente. Facilita o surgimento e a solidez dos aspectos mais positivos de sua fértil imaginação.
Sua construção ficcional aparentemente simples encobre enigmátcos símbolos, que, mexendo nos profundos mistérios da mente, faz o leitor meditar.
Tocam-nos pela intensidade e a arte da sua confecção, minuciosa e sensível, provocando às vezes a comoção, o riso, a gargalhada aberta, o silêncio conjetural, a cumplicidade solidária enfim.
Esses reis, princesas, fadas, cisnes, unicórnios e gnomos, todos entrelaçados num bordado colorido, não trazem nenhuma mensagem admonitória, sinalizando apenas para o simples prazer de ler e sonhar. Um resgate necessário e oportuno dos contos de fadas, do delírio estético, em contraposição ao nosso moderno e complicado mundo.
Conduzem nossa lógica à magia cósmica sem tempo nem espaço, aprisionando deliciosamente nossos sentimentos s sensações. Sem lições de moral, sem "moral da história", sem pompas filosóficas, sem nada além do puro aspecto lúdico.
Os termos e expressões inesperadas criam expectativas nas crianças e nos jovens, colaborando decididamente para o seu amadurecimento psicológico.
Nos seus contos, seres reais procuram se relacionar com seres irreais: a moça tecelã com o marido-de-lã, o rei com a esposa dos sonhos, o jardineiro com a mulher-rosa.

Ela celebra a alegria das palavras eleitas, num culto ao Verbo onde a pompa das valsas, a beija-florice dos passos, a inocência dos gestos e a emoção dos olhares nos arrebatam para sempre.
Sentimo-nos convidados.
Marina Tecelanti.
Marina das mil auto-oficinas.
Fábrica de letras possantes.
Congresso de palavras de pedra.
Escritura de alta linhagem.
Há em inúmeros textos seus, inequivocamente, bênçãos e maldições. Das grandes. (Lógica desconexa, a que chamam alguns de estranhamento.)
"Enquanto houver estrelas" (1), seus textos serão questionados, atacados e defendidos --- porque nos parecem eles merecedores desse "Enquanto".


Nota:
(1) Enquanto houver estrelas: um dos mais sublimes títulos do Cinema, como Vagas estrelas da Ursa Maior, Suplício de uma Saudade, Sete homens e um Destino e outros.

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