domingo, 7 de fevereiro de 2010

Suave Milagre, de José Maria Eça de Queiroz

A tarde caía. O mendigo apanhou o seu bordão, desceu pelo duro trilho, entre a urze e a rocha. A mãe retomou o se canto, mais vergada, mais abandonada.

E então o filhinho, num murmúrio mais débil que o roçar de uma asa, pediu à mãe que lhe trouxesse esse Rabi, que amava as criancinhas ainda as mais pobres, sarava os males ainda os mais antigos.

A mãe apertou a cabeça esgadelhada:

--- Oh filho! E como queres que te deixe, e me meta aos caminhos, à procura do Rabi da Galiléia? Obed é rico, e tem servos, e debalde buscaram Jesus, por areais e colinas, desde Chorazim até ao país de Moab. Sétimo é forte, e tem soldados, e debalde correram por Jesus, desde o Hebrom até o mar! Como queres que te deixe?
Jesus anda por muito longe e a nossa dor mora conosco, dentro destas paredes, e dentro delas nos prende. E mesmo que O encontrasse, como convenceria eu o Rabi tão desejado, por quem ricos e fortes suspiram, a que descesse através das cidades até este ermo, para sarar um entrevadinho tão pobre, sobre enxerga tão rota?

A criança, com duas longas lágrimas na face magrinha, murmurou:

--- Oh mãe! Jesus ama todos os pequeninos. E eu ainda tão pequeno, e com um mal tão pesado, e que tanto queria sarar!

E a mãe, entre soluços:

--- Oh meu filho, como te posso deixar? Longas são as estradas da Galiléia, e curta a piedade dos homens. Tão rota, tão trôpega, tão triste, até os cães me ladrariam da porta dos casais. Ninguém atenderia o meu recado, e me apontaria a morada do doce Rabi. Oh filho! talvez Jesus morresse... Nem mesmo os ricos e os fortes O encontram. O Céu O trouxe, o Céu O levou. E com Ele para sempre morreu a esperança dos tristes.

De entre os negros trapos, erguendo as suas pobres mãozinhas que tremiam, a criança murmurou:

--- Mãe, eu queria ver Jesus...

E logo, abrindo devagar a porta e sorrindo, Jesus disse à criança:

--- Aqui estou.

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O SUAVE MILAGRE, de Eça de Queiroz. 11ª edição. Editora Clube do Livro, RJ, 1973.

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