domingo, 7 de fevereiro de 2010

Tipos de leitor e de escritor na Internet

Em 00/00/0000, observei comentários interessantes, feitos por alguns leitores-relâmpagos do Recanto das Letras, referindo-se às composições de alguns escritores.
Nota-se nesses comentários uma certa regularidade verbal, praticamente se repetindo de poema a poema comentado.
Como estamos lidando com a expressão particular de cada comentarista, que tem todo o direito de falar isto ou aquilo, ser longo ou breve, dialético ou brutal, não nos compete censurá-lo. E mais: suas palavras se tornam positivas, válidas, mediante o contexto e a utilidade sociais onde se enquadram.
Quem recebe tais mensagens não se ofende nem as apaga, pois inconscientemente percebe o esforço desses comentaristas em ler, ainda que superficialmente talvez, toda a sua obra e externar uma (embora simplória) opinião, como a dizer: --- Estive aqui, li teu trabalho!!
Ora, se alguém os leu e os cientificou disto (em geral elogiando-os), eles funcionaram como escritores! E isto lhes basta, como basta à Teoria do Texto à Ciência da Literatura...


Tipos de leitor:
Leitor óbvio - só diz o óbvio do óbvio. Ainda bem que se expressa laconicamente...
Leitor grato - lê, em geral com atenção, a produção do escritor visitado. E indefectivelmente agradece a sua visita.
Leitor dissimulado - assegura que leu a produção e a achou boa, mas objetiva mesmo convidar o escritor visitado a "passar pela sua escrivaninha, se tiver um tempo, pois escreveu algo semelhante ao trabalho lido, etc. etc..."
Leitor pescador - acha motivos ou pretextos alarmantes para arrasar o que lê, com a maior fúria. Pura estratégia: ele quer mesmo, na verdade, é atrar o incauto (ou indignado) colega para a escrivaninha dele.
Leitor apenas - esse tipo passa pela escrivaninha realmente apenas para ler a produção alheia. E em geral declara isto. Mas só, sem aprofundamentos de opinião.
Leitor real - esse lê, relê, trelê o texto, produzindo uma reflexão compatível e convincente com o que leu. Não costuma economizar palavras, embora elogie sempre.
Leitor crítico - praticamente inexistente. E se ou quando existe, é monitorado, execrado, perseguido, ridicularizado e desqualificado no terceiro ou quarto comentário.
O leitor crítico não tem de ser especialista em nada: basta-lhe ler e criticar, falando bem ou mal --- mas sempre com ética, seriedade, desenvoltura, amor ao que faz. Cabem aí também a paixão, a indignação e a emoção.
Isso derruba um dos argumentos perenes dos analisados e seus defensores: de que, para criticar, o leitor tem que ter atributos e conhecimentos amplos e específicos sobre o assunto.


Tipos de escritor (quanto à crítica):
1 – Humildes
2 – Tolerantes
3 – Intolerantes.
Só não há escritor indiferente, já que as críticas representam juízos de valor; e ele fez-se escritor exatamente para isto: ser lido e saber que é lido --- ainda que apenas pelos frequentadores da esfera de atividade humana a que dirige seu discurso. Essa esfera tem também o nome de ambiente social de produção, circulação e recepção dos gêneros textuais.
Ora, o artista é um porto, por onde escoa a carga da terra, via mar, a outras terras. Nele circulam os produtos --- perecíveis ou não, dependendo da competência demonstrada --- da linguagem, elaborados sob a motivação de um intuito discursivo, uma razão-para-ser do texto produzido.
O locutor mensageia sempre para uma comunidade de interlocutores, ainda que se dirija aparentemente a um leitor isolado (prática comum, v.g., na poesia lírica). Seu projeto de dizer vira dizer e de imediato suscita, atrai, se dispõe a receber respostas de outros e alheios dizeres, que negarão ou confirmarão o valor intrínseco desse enunciado.
E eis a questão: quando o dizer é positivo, elogioso, ótimo: não há atrito. Quando porém esse dizer se projeta depreciando a mensagem/carga, ocorre a convocação espontânea, solidária da terra para a defesa do produto literário. Equivale isto a anunciar:
---"Este produto é de qualidade!, veja quantos certificados de excelência! Tíbia, reles, sonsa, cretina é a sua crítica inconsequente, refratária, antiquada, de não-escritor frustrado!"
No discurso da terra, provocado ou não, prevalecem alguns tons, a justificá-lo:
--- Somos amadores, reunimo-nos no site para amenidades, nada mais...
--- Não precisamos de barreiras alfandegárias! Fora, estranho desagradável!
E ato contínuo há a natural, legítima união para excluir o inconveniente interlocutor, cujas abordagens contrariam o ajustado concerto, as previsíveis expectativas da comunidade anfitriã/apadrinhadora/recepcionadora da produção circulante.
Ou seja: são os agentes legitimados pelo “corpus” social, na defesa cega, natural, consequente, lógica do seu sistema,
contra-atacando em nome da sobrevivência comum.

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Transcrevo aqui, agora, dois trechos do livro "Literatura e Sociedade", do crítico literário Antonio Candido de Mello e Souza, que têm muito a ver com a explanação acima:

"O público dá sentido e realidade à obra, e sem ele o autor não se realiza, pois ele é de certo modo o espelho que reflete a sua imagem enquanto criador. Os artistas incompreendidos, ou desconhecidos em seu tempo, passam realmente a viver quando a posteridade define afinal o seu valor. Deste modo, o público é fator de ligação entre o autor e a sua própria obra." (48)

"Se a obra é mediadora entre o autor e o público, este é mediador entre o autor e a obra, na medida em que o autor só adquire plena consciência da obra quando ela lhe é mostrada através da reação de terceiros. Isto quer dizer que o público é condição para o autor conhecer a si próprio, pois esta revelação da obra é a sua revelação. Sem o público, não haveria ponto de referência para o autor, cujo esforço se perderia caso não lhe correspondesse uma resposta, que é definição dele próprio." (85-86)

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